Entrevista tirada do site:  http://www.turmademaior.com.br/

Entrevistado do mês
Normando Santos - Um Pernambucano Bossa Nova
09/08/2005
Rio de Janeiro, fins dos anos 50: as festas nos apartamentos de Copacabana, um cantinho, um violão e belas musicas para cantar. Assim surgiu Normando Santos e a Bossa Nova.
Por: Alexandre Leite


Normando Marques dos Santos - Um Pernambucano Bossa Nova

Eram todos bem jovens, começavam a dar os primeiros acordes daquele ritmo que, pouco tempo depois, seria referência mundial da música brasileira. Faziam parte da turma os cariocas Antônio Carlos Jobim, Carlinhos Lyra, Vinicius de Moraes, Nara leão, Ronaldo Bôscoli, o baiano João Gilberto e um certo pernambucano chamado Normando Santos.
Nascido no bairro da Madalena, no Recife, e criado na Praça do Jacaré em Olinda, começou cantando na Rádio Jornal do Comércio, mas logo seguiu para o Rio de Janeiro.
Foi então que Normando Santos conheceu Roberto Menescal, que o levou à casa da Nara Leão, onde Bôscoli e Chico Feitosa já se iniciavam na música. A partir daí, ingressou na turma onde também faziam parte, Luiz Carlos Vinhas, Baden Powell, Elmir Deodato, Sergio Ricardo, entre outros
Os encontros nos apartamentos dos amigos eram comuns. O programa era sempre o mesmo: tocar, cantar e compor. “Essa foi a época mais feliz da minha vida. Nós éramos um grupo unido com uma mesma meta, fazer música apenas por prazer”
Não só a música unia alguns deles, tinha também a paixão pela pesca submarina, que era um motivo a mais para que estivessem sempre juntos nos fins de semana. E era assim que Normando junto com Menescal, Chico Feitosa, Ronaldo Bôscoli e Luís Carlos Vinhas seguiam todas as sextas-feiras, em direção de Rio das Ostras, Cabo Frio, Angra dos Reis etc.
Enquanto a Bossa Nova dava seus primeiros passos, Normando foi se tornando um dos professores de violão mais procurados na cidade, junto com Carlinhos Lyra e Roberto Menescal.
Em novembro de 1962, Normando participou do 1º Festival de Bossa-Nova, no Carnegie Hall, em Nova Iorque. De volta ao Brasil, gravou um disco pela Odeon e partiu para Paris em 1964, para substituir Baden Powell, nos shows do primeiro bar brasileiro na capital francesa, “A Feijoada”. O cantor e compositor terminou fixando moradia por lá.
Hoje, Normando ainda vive em Paris, cantando e divulgando a Bossa Nova. Nas horas vagas, cuida do corpo jogando tênis, seu hobby preferido.
Recentemente, Normando esteve aqui, onde fez um show em Caruaru com bastante sucesso. Ele promete voltar em novembro, provavelmente, para se apresentar no Teatro Santa Isabel. Para quem nunca ouviu Normando Santos cantando, vale a pena torcer que esse show se realize. Afinal, não é todo dia que se pode ver um artista do quilate de Normando Santos, que já foi chamado de “O Sinatra da Bossa-Nova” pelo Jornal do Brasil, e autor de musicas como: Canção do sem você, Mais valia não chorar, Deixa o nosso amor, Depois do amor (c/ Ronaldo Bôscoli), Castelinho (c/ Billy Blanco), Dame souris trotte (c/ Hugues de Courson), Eu te amo (c/Geraldo Casé), Aconteceu e Lamento do Adeus (c/ Vinícius de Moraes).

TDM - Bossa Nova se imortalizou?
NS - Com certeza. Os clássicos não morrem. Quem gosta de música erudita, por exemplo, está sempre escutando um Beethoven, Debussy, Bach. Quem gosta de ópera, está sempre escutando Aída, Carmem, Barbeiro de Servilha e assim por diante... Quando a música é boa não morre, a gente nunca se cansa de ouvi-la é o que acontece com a Bossa Nova

TDM - Como nasceu o compositor Normando?
NS - Como eu era o cantor da turma, de vez em quando criticava alguma composição de Carlinhos Lyra ou do Menescau dizia o que gostava ou que não gostava. Um dia, eu cheguei pra Carlinhos e critiquei uma de suas músicas, não me lembro qual foi e aí ele me disse: “então por que você não faz uma?” Eu fiquei pensando, não sabia se poderia fazer alguma coisa do nível deles. Mas aí, decidi fazer e fiz uma música, mostrei a Ronaldo Bôscoli e ele gostou muito. A música era “Deixa o nosso amor”. A partir daí, saí fazendo músicas e Ronaldo botando as letras. Foi assim que virei compositor.

TDM - “Depois do Amor” talvez seja a sua música mais conhecida, não é?
NS - É possível, por conta de ter sido censurada em São Paulo por causa da frase " no seu corpo nu, existi ..."  e também porque quando minhas músicas começaram a ser gravadas por Simonal, Pery Ribeiro, Maysa,Trio Iraquitan, Sergio Ricardo, etc, foi quando eu fui embora para Paris. Logo na época que elas estavam estourando.

TDM - Por que essa sua opção de morar em Paris?
NS - Eu nunca pensei em morar em Paris na minha vida. E ainda mais, eu detestava estudar francês, na minha época de estudante cansei de ficar em segunda época. Eu me lembro que estudava no colégio XV de Novembro em Garanhuns, e tive que voltar no fim de ano só para fazer segunda época porque eu era um péssimo aluno de francês.

TDM - E por que foi então?
NS - Eu fui por causa do Vinicius de Moraes. Naquela época, Vinicius era adido cultural em Paris e estava lá, bebendo sozinho (risos) e aí ele chamou o Baden Powell para fazer umas parcerias, arrumou uma passagem e Baden foi. Ficaram os dois lá, morando no mesmo hotel e fazendo música. Baden, então, começou a tocar em um restaurante chamado “A Feijoada”. Depois de um ano e meio, ele resolveu sair e eu assumi o lugar dele. A princípio, eu resisti porque o contrato era de seis meses e eu não me imaginava ficar em Paris por tanto tempo assim. Acabei ficando por mais um ano. Depois, voltei ao Brasil para fazer meu divórcio e segui novamente para Paris, onde estou até hoje.
Mas foi Vinicius que “descobriu” Paris. Se não fosse ele, ninguém tinha ido.

TDM - E como é sua vida profissional em Paris?
NS - Eu sempre vivi sem gravar discos, eu vivo de shows, seja em teatros, em clubes de jazz etc. Certa época fiz uma temporada maravilhosa no restaurante Via Brasil, que fica em Montparnasse. Então, eu estou habituado em fazer shows e, como sempre, faço nos mesmos lugares, muita gente já me conhece e torna a voltar para me escutar. Mas tem uma grande porcentagem de pessoas que vai pela primeira vez e, sempre que eu entro para cantar, entro determinado a conquistar esse público. É muito fácil para um cantor que tem muitos discos gravados lotar uma casa. Até porque o público já conhece o seu trabalho, já comprou seus discos, já sabe as músicas e só vai para conferir. No meu caso não, a cada dia eu tenho que conquistar um público novo, pessoas que na maioria das vezes não me conhecem. Por isso, a cada show, eu tenho que dar o melhor de mim. Já me acostumei com isso e acho muito gratificante.

TDM - Como o publico francês vê a Bossa Nova?
NS - É aquele público que gosta de Bossa Nova porque gosta de Jazz. Para o público francês e o europeu, em geral, o Brasil se traduz em duas coisas: carnaval e Bossa Nova. Carnaval pro povo, pra massa. Botam logo duas mulatas, fazem aquela bateria, aí é carnaval, é Brasil. Ou então, Bossa Nova que é um negócio mais requintado, mais pra clubes de jazz para um público mais elitizado, que quer só escutar. Mas também tem musicas brasileiras que fizeram muito sucesso em discotecas, como “toda menina baiana” de Gilberto Gil. Falando em Gil, tô com raiva dele.

TDM - Por quê?
NS - Ele foi, agora, nas comemorações do ano do Brasil na França, e eu vi uma entrevista que ele deu, falou muito da Tropicália e não disse uma palavra sobre Bossa Nova, não levou ninguém da Bossa Nova. Não estou falando nem de mim que já estava lá e que ele poderia até se interessar em saber onde eu estava. Mas não levou Menescau, não levou Carlinhos Lyra, por exemplo. Gilberto Gil só levou os baianos. A Bossa Nova tem muito mais serviços prestados ao nosso país do que a Tropicália. A Bossa Nova foi tão rica, tão harmônica, que até os americanos se renderam ao nosso balanço. Foi por isso que fomos convidados para tocar no Carnige Hall em 1962 e até hoje continuamos sendo tocados e regravados, no mundo inteiro, por vários cantores da atualidade, como a canadense Diane Krall, que fez até parte da trilha sonora de uma novela recente da Globo cantando bossa nova.

TDM - Você se ressente por não ser tão conhecido no Brasil, como deveria?
NS - Não, isso é normal, eu fui muito cedo para França, fui pra lá em 64 e cheguei a passar sete anos sem vir ao Brasil. Achei que a minha vida lá poderia ser mais organizada como foi. Lá é bem mais fácil, eu vivo melhor que muitos daqui. No Brasil, é muito difícil viver de música que não seja música de consumo. Eu só fico chateado quando leio, como eu li em um livro de Ruy Castro sobre a Bossa Nova que diz no final, “Normando desapareceu”. Aí, eu acho uma sacanagem, porque todo mundo sabe que eu estou na França. Por que não diz que Normando vive em Paris defendendo a nossa música? Isso me irrita muito.

TDM - Eu soube que você tem duas músicas ainda inéditas em parceria com Vinicius de Moraes, é verdade?
NS - É verdade, eu tenho duas músicas inéditas com Vinicius.

TDM - Por que só agora você resolveu divulgar?
NS - Olha, eu sou um cara muito orgulhoso. Eu fiz essas músicas com Vinicius, mas na época ele viajava muito, tinha muitos parceiros como o Carlinhos Lyra, o Baden, Toquinho etc. E eu sempre em Paris, longe... ele nunca gravou ou mostrou as nossas músicas. Aí, eu também resolvi não mostrar pra ninguém.

TDM - Você pretende gravá-las?
NS - Claro! Acho que eu sou o único que tem musicas inéditas, ainda não gravadas de Vinicius. Já esta na hora de gravá-las.

TDM - Você tem alguma previsão de shows no Brasil?
NS - Provavelmente estarei de volta em novembro para alguns shows. Ainda estamos em negociações, mas creio que farei uma apresentação aqui em Recife no Teatro Santa Isabel e depois seguirei para o Rio e São Paulo. Recentemente, fiz um show em Caruaru e foi muito legal. Espero que tudo dê certo e eu possa voltar a me apresentar aqui no Brasil.

TDM - Você não pensa em voltar a morar no Brasil?
NS - Ahh...Meu sonho é voltar e morar aqui, de preferência nessa avenida (Boa Viagem) Quando eu chego no aeroporto e sinto aquele bafo quente, úmido, eu sempre penso: ”cheguei no meu ninho!” O Brasil é maravilhoso e Recife é o meu ninho, minha terra. Outro dia eu estava aqui no hotel e me acordei cedo. Eram 4:30 da manhã. O sol estava dando os primeiros sinais de vida no horizonte, chamei meu filho de 10 anos pra ver. Não tem coisa mais linda do que ver o nascer do sol em frente a essa praia maravilhosa! Em Paris a gente não vê isso...

TDM - Muito obrigado pela entrevista Normando,foi um papo muito gostoso
NS - Eu é que agradeço...um abraço a todos e até a proxima!